segunda-feira, setembro 29

Lixo - Não é Veríssimo, mas ainda sim não deixa de ser verdade.



[Um dos melhores escritores, sem dúvidas. Só uma reflexão sobre o texto]

Achar o amor no lixo,
Com certeza é um lixo.
Mas é no lixo do dia-a-dia,
que jogamos nossa vida.

O que têm no meu lixo?
O que tem no seu?
Papel ou guardanapo,
Filme e um pequeno trapo.
Fotos das mais antigas,
Revistas e porcarias.
E as cartas de um apaixonado.

Mas a pergunta que não quer calar,
Nem quer se fazer ausente.
Será que pelo meu lixo inconsequente,

você se apaixonaria loucamente?

Não importa o que tem no seu,
Decidamente me perderia,
Entre seus papéis e latarias,
Com certeza t
e amaria.

Amo, com lixo ou sem.


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[IMG] http://lexidh.deviantart.com/art/Trash-22921132

Lixo - Luís Fernando Veríssimo



















Encontram-se na área de serviço. Cada um com seu pacote de lixo. É a primeira vez que se falam
— Bom dia...

— Bom dia.
— A senhora é do 610.
— E o senhor do 612.
— É.
— Eu ainda não lhe conhecia pessoalmente...
— Pois é...

— Desculpe a minha indiscrição, mas tenho visto o seu lixo...
— O meu quê?
— O seu lixo.
— Ah...
— Reparei que nunca é muito. Sua família deve ser pequena...
— Na verdade
sou só eu.
— Mmmm. Notei também que o senhor usa muita comida em lata.
— É que eu tenho que fazer minha própria comida. E como não sei cozinhar...
— Entendo.
— A senhora também...
— Me chame de você.
— Você também perdoe a minha indiscrição, mas tenho visto alguns restos de comida em seu lixo. Champig
nons, coisas assim...
— É
que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes. Mas como moro sozinha, às vezes sobra...
— A senhora... Você não tem família?
— Tenho, mas não aqui.
— No Espírito Santo.
— Como é que você sabe?
— Vejo uns envelopes no seu lixo. Do Espírito Santo.
— É. Mamãe
escreve todas as semanas.
— Ela é professora?
— Isso é incrível! Como foi que você adivinhou?
— Pela letra no envelope. Achei que era letra de professora.
— O senhor não recebe muitas cartas. A julgar pelo seu lixo.
— Pois é...
— No outro dia tinha um envelope de telegrama amassado.
— É.
— Más notí
cias?
— Meu pai. Morreu.
— Sinto muito.
— Ele já estava bem velhinho. Lá no Sul. Há tempos não nos víamos.

— Foi por isso que você recomeçou a fumar?
— Como é que você sabe?
— De um dia para o outro começaram a aparecer carteiras de cigarro amassadas no seu lixo.
— É verdade. Mas consegui parar outra vez.
— Eu, graças a D
eus, nunca fumei.
— Eu sei. Mas tenho visto uns vidrinhos de comprimido no seu lixo...
— Tranqüilizantes. Foi uma fase. Já passou.
— Você brigou com o namorado, certo?
— Isso você tam
bém descobriu no lixo?
— Primeiro o buquê de flores, com o cartãozinho, jogado fora. Depois, muito lenço de papel.
— E, chorei bastante. Mas já passou.
— Mas hoje ainda tem uns lencinhos...
— É que eu estou com um pouco de coriza.
— Ah.
— Vejo muita revista de palavras cruzadas no seu lixo.
— É. Sim. Bem. Eu fico muito em casa. Não saio muito. Sabe como é.
— Namorada?
— Não.
— Mas
há uns dias tinha uma fotografia de mulher no seu lixo. Até bonitinha.
— Eu estava limpando umas gavetas. Coisa antiga.
— Você não rasgou a fotografia. Isso significa que, no fundo, você quer que ela volte.
— Você já está analisando o meu lixo!
— Não posso negar que o seu lixo me interessou.
— Engra
çado. Quando examinei o seu lixo, decidi que gostaria de conhecê-la. Acho que foi a poesia.
— Não! Você viu meus poemas?
— Vi e gostei
muito.
— Mas são muito ruins!
— Se você achasse eles ruins mesmo, teria rasgado. Eles só estavam dobrados.
— Se eu soubesse que você ia ler...
— Só não fiquei com eles porque, afinal, estaria roubando. Se bem que, não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela?
— Acho que não. Lixo é domínio público.
— Você tem razão
. Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário. É a nossa parte mais social. Será isso?
— Bom, aí você já está indo fundo demais no lixo. Acho que...
— Ontem, no seu lixo..
— O quê?
— Me enganei, ou eram cascas de camarão?
— Acertou. Comprei uns camarões graúdos e descasquei.
— Eu adoro camar
ão.
— Descasquei,
mas ainda não comi. Quem sabe a gente pode...
— Jantar juntos?
— É.
— Não quero dar trabalho.
— Trabal
ho nenhum.
— Vai sujar a sua cozinha.
— Nada. Num instante se limpa tudo e põe os restos fora.
— No seu lixo ou no meu?

quarta-feira, setembro 3

O Sonho do Lago




Numa dia de sol tão quente,
Uma bela jovem banhava-se.
Foi naquele sentir-se,
Que o lago a desejou intensamente.

A jovem foi embora. Não mais voltou.
O lago uma vez límpido, de tristeza congelou.



Ryujin, o deus dos mares
Furioso lhe perguntou.
- Por que sofres o mais belo dos lagos de meu reino?
O lago, lamentando, chorou:
- Porque amo.
O deus-dragão, se viu num dilema,
O lago não mais descongelaria,
E tão logo, os outros deuses o chamariam.
Pois aquele lago, era acima de tudo, sagrado.
- Concederei um dia. Não mais, não menos.
Mas não falara quem é, nem ela saberá quem foste.
Sou um deus e te entendo.
Ela não entenderá pois é um lago.


E antes que a folha caísse,
E um ruído se ouvisse.
No lugar do lago, um homem surgiu.
- Siga a montanha, lá encontrará o seu amor.

O lago ainda desengonçado correu.
Tão abismado, tão curioso e esperançoso.
Chegou. Chegou a Vila da Montanha.
A beleza do jovem se notou ao longe.
Curiosos os habitantes o circularam.
Em meio, a multidão, ele a viu.
Com os pés afundados na água,
Em meio a enorme plantação,
Lá estava a jovem, com uma cesta à mão.

Correu, e correu. Correu e parou.
Silêncio.
Por alguns instantes, os dois
Ali defronte, se olharam,
Se dizer nada, se cumprimentaram.
Sentado apaixonado, ele a admirou.
Mas seu silencio, a amedrontou.
-Quem é você?
Sem poder dizer nada, a abraçou.
E naquele momento ela também o amou.

Enquanto a tarde surgia,
Ele a contemplava enquanto ria,
Admirava enquanto sorria.
Mas a tarde desaparecia.

Antes do fim do dia,
O lago se levantou, mas menina o beijou.
E naquele momento ela também o amou.

-Quem é você?, perguntou novamente.
O lago sorridente desenhou na terra.
E tão misteriosamente quanto apareceu, desapareceu.
A jovem não compreendeu.
Teria sido um sonho?’, pensou.
Olhando a terra, ela chorou.
Pois lá estava escrito: 池

O deus-dragão, esperou e como combinado,
O lago retornou.
Tão solenemente, reverenciou.
E novamente, um lago se tornou.
Suas águas agora tranqüilas, descongelaram.
O lago mais bonito do reino, então brilhou.

Passou-se oito dias.
No oitavo dia, a menina apareceu.
A beira do lago divino, ela chorou.
Lamentou e murmurou:
-Amo você.
Atirando-se ao lago, a menina morreu.

Até mesmo o coração forte do deus-dragão,
Compadeceu, e se entristeceu.
Uma árvore de cerejeira, germinou.
Com seus galhos pensos ao rio, floresceu.
Esse foi o presente de Ryujin,
Pois quando suas pétalas caíssem sobre o lago,
Estariam se amando.


A menina da vila se tornou flor.

terça-feira, setembro 2

O retrato




Na entrada um tapete
‘Bem vindo a minha mente’,
Tire os sapatos e pegue um pente,
Mas por favor, não se alimente.
Farelos no chão, trazem ratos!
E não há gatos para expulsa-los!

Na parede um quadro,
Cheios de bilhetes e papéis,
Pregados com clipes e pincéis
Lá as cartas a serem lidas,
Os poemas a moda antiga!E o amor da minha vida!

Ah! O quadro!
Lá estaria o seu retrato.


Na estante alguns livros,
Alguns velhos outros puídos.
Seriam os pensamentos,
Alguns modernos e sem talento.
Outros antigos e virtuosos,
Uns estranhos e preguiçosos.

Ah! Na estante!
Lá estaria o seu semblante.


No armário cheio de roupas,
Amarela, verde, azuis ou brancas.
Seriam os medos e inseguranças,
Seriam problemas e esperanças.
Bagunçado ou arrumado,
Este seria o meu armário.

Ah! No armário!
Lá estaria o seu entalho.


Mais pra frente o monitor,
Tão grande dá até calor!
Que fique ali a inteligência,
Sem impaciência, por favor!

Ah! No monitor!
Lá estaria o meu amor.


Na janela veja a praia.
Que bonita e empoeirada!
Cuidado com a cabeça,
O sino está a tocando!
Estaria você assoprando?
A janela seria os quadros,
Os quadros da minha alma,
Nem Dalí nem de Andrade,
Nem madre nem padre
Conseguiriam imitar a calma
A calma da minha alma.

Ah! Na janela!
Lá estaria você, lá.


Vire o rosto e veja a cama.
Bagunçada? Ah! Que desgraça!
Juro,arrumei noite passada!
Mas espere! Não vá embora.
Prometo terminar e sem demora.
A cama mal arrumada,
A cama bagunçada,
A cama está molhada.

Não, não é xixi.
É que ontem, chorei por ti.
Não chores você diz?
Tome conta do seu nariz!
(...)

Não! Não vá embora!
Fiquei comigo, abrace e beije.
E deite, durma, sonhe.
Só não tire o travesseiro do lugar.

Acredite. Lá está outro retrato.
Mas esse, meu querido, é 3x4.


Se minha mente fosse um cômodo,
Certamente seria o quarto.
E lá em cada canto,estaria o seu retrato.


[E você, que leu ou que lê ou que nem quer fazer, já pensou onde colocaria o retrato?]


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[IMG] http://gilad.deviantart.com/art/A-Portrait-Of-She-30106212